Rio terá usina de “CO2 verde” – que vem do lixo
Gás Verde, do grupo Urca Energia, vai vender para a indústria de bebidas o gás carbônico que sobra da produção do biometano
Por Felipe Salgado — Rio de Janeiro
Com investimento de US$ 10 milhões, a Gás Verde vai inaugurar em março de 2025 a primeira planta de geração de CO2 verde do país. A unidade está sendo equipada na fábrica de biometano da empresa, no aterro sanitário de Seropédica (RJ), o maior da América Latina.
Lá, a companhia do grupo Urca Energia já produz 140 mil m³/dia de gás natural renovável que abastecem companhias como Ambev, L’Oreal, Ternium e Saint Gobain.
O CO2 verde é um subproduto do processo de obtenção do biometano, que envolve a purificação do biogás liberado na decomposição de resíduos orgânicos. Em vez de ir para a atmosfera, o gás carbônico – principal causador do efeito estufa – será vendido para clientes industriais.
Por ser inodoro, insípido e compatível, o CO2 é o principal gás utilizado para carbonatar refrigerantes e cervejas. Mas, com exceção da Ambev, que produz ela própria o insumo, outras empresas de bebidas da região precisam buscar o produto em Estados vizinhos, como São Paulo e Espírito Santo.
A Gás Verde já firmou contratos que vão absorver mais da metade da capacidade de sua produção do CO2 verde (100 toneladas/dia) nos próximos cinco anos, disse ao Reset o CEO da empresa, Marcel Jorand. A companhia não revela quais serão os compradores. Mas conversas já foram iniciadas com a Pepsico, Coca-Cola e o Grupo Petrópolis.
A estratégia mira a demanda por um produto cuja destinação final seria a queima, gerando as enormes chamas das chamadas torres de flare. “O que era resíduo se torna insumo para produzir outro combustível”, afirma o executivo. Com uma tecnologia de separação por membranas, o CO2 sairá com um grau de pureza de 99,9%, uma exigência dos clientes da indústria.
Outra fonte residual de biogás da fábrica da Gás Verde é utilizada para geração elétrica. A parcela que outrora era desperdiçada no processo de purificação é fonte da energia consumida pela própria planta.
O plano de expansão
O biometano, ou gás natural renovável (GRN), é a fonte de bioenergia que mais cresce no mundo. Ele pode substituir o equivalente de origem fóssil sem necessidade de alterações em equipamentos, como ou caldeiras e motores.
Sua grande vantagem é não lançar novos gases de efeito estufa na atmosfera. O carbono decorrente do consumo é “reciclado” – neste caso, a origem são resíduos orgânicos.
A Agência Internacional de Energia aposta no Brasil como o quinto maior produtor global do combustível até 2028. Segundo as estimativas da Abiogás, entidade que representa o setor, 90 plantas produzirão biometano em 2029, com investimentos previstos de US$ 11 bilhões.
No momento, a produção brasileira é de apenas 400 mil m³/dia, mas o país tem matérias-primas como lixo e restos da agricultura para chegar a 120 milhões de m³/dia. Isso corresponde à metade do volume de gás fóssil consumido diariamente no país.
A Gás Verde é a maior produtora nacional do gás natural renovável, e o modelo da companhia é montar suas usinas em aterros de terceiros, como o de Seropédica, que pertence à Ciclus.
Até o final do ano, a empresa deve alcançar a marca de 200 mil m³/dia. A meta é bater 500 mil m³ em 2026. Para isso, está convertendo todas suas plantas de biogás em fábricas de biometano – 18 no total, sendo que 2 delas já estão dedicadas ao GNR.
Os clientes da Gás Verde incluem uma planta da Ambev em Cachoeira de Macacu (RJ), a primeira fábrica de cerveja do país a rodar 100% com gás renovável, e uma unidade da Quartzolit, do grupo francês Saint Gobain, que fabrica argamassa em Queimados, também no Rio.
Descarbonizando o transporte
No fim do ano passado, a companhia fechou contrato para fornecer biometano para 100% da frota de caminhões inbound da L’Oreal que faz o transporte de suas usinas até os centros de distribuição.
A operação inclui o primeiro posto de abastecimento do país dedicado ao gás renovável. O GNR é visto como uma potencial solução para dois problemas climáticos: reduz as emissões dos aterros e ajuda a descarbonizar o transporte pesado.
A pegada da gigante francesa dos cosméticos no setor de transportes caiu de 2.800 toneladas de CO2 em 2021, quando sua frota era movida a diesel, para apenas 206 toneladas com sua transição para o biometano em 2024.
“Há uma demanda muito forte dos nossos clientes para descarbonizar o transporte, o chamado escopo 3”, afirma Jorand.
“Assim como a energia eólica já foi inviável e a solar era apenas um sonho, o biometano está apenas no início. Hoje, a Gás Verde detém 50% do market share de um mercado que explora apenas 2% do seu potencial”, disse o CEO da empresa.